Pra quem interessa?
por Jéssica Balbino
“É assim que é ... Trabalhador não tem escolha, então, enfrenta aquele trem lotado Subúrbio para morrer, vou dizer...” (RZO)
Lendo o texto de Alessandro Buzo no livro O trem – Contestando a Versão Oficial, podemos nos deparar com fatos de anos atrás que se repetem ainda hoje e, incrível, não apenas nos trens, mas nos ônibus. Não só em São Paulo, mas em todas cidades brasileiras. Pior pra quem? Pro povo da periferia. Povo lindo, povo inteligente, povo que assim é valorizado pela própria cultura marginal. Povo marginal, que é desvalorizado pela própria elite e governantes de todo país. Como suburbana, sim, convicta, reitero tudo que o livro diz, trazendo para minha realidade, quando, todos os dias, depois de passar quase 2h dentro de ônibus, já chego ao trabalho cansada e tenho que ouvir, numa coletiva à imprensa, o prefeito dizer que a cidade tem o melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado de Minas Gerais. Sou obrigada a ouvir que Poços de Caldas tem qualidade de vida. E eu pergunto, pra quem? Talvez para o prefeito, para parte da imprensa que ouvia àquilo, para outra parte, que no outro dia, lê o jornal. Eu, pau mandado, lá estava, escrevendo que a cidade não tem pobreza, nos seus 135 anos de vida, quando naquela manhã já havia ralado muito, olhado nos olhos de um morador de rua e dado ‘esmola’ a um garoto no meio do caminho. É, do meu patrão, já escutei várias vezes, ao contrariar as ‘regras’ do jornal e a proposta ‘editorial’, publicando notícias com o povo da periferia e as precárias condições que o gueto poços-caldense exibe. “A quem interessa isso?”, sempre indaga o patrão. Repondo-lhe que à população, à comunidade,ao poder público. “Esta população não lê o jornal. Meus assinantes não querem saber se alagou a periferia, se o ônibus é precário, se há pobreza. Querem ler sobre política”, dispara sempre, o patrão. A solução momentânea, abaixar a cabeça e continuar dando voz à elite, calando a periferia, da qual faço parte. Voltando ao trem, trabalhador não tem escolha, enfrenta o trem lotado, viaja para o trabalho, paga caro por isso. E na cidade com o melhor IDH mineiro, pasmem, só há uma empresa de ônibus. Uma só. A passagem R$ 1,80. As linhas não são interligadas. Por dia, gasto R$ 7,20. Opção? Nenhuma... é só o ônibus, que atrasa, quebra, não tem conforto. A empresa, em parceria com a prefeitura, lançou no meio deste ano uma passagem com desconto para os alunos de uma universidade particular da cidade, uma vez que ‘estudante gasta muito’, nas palavras do diretor da empresa. No entanto, questionado por mim, sobre os outros estudantes, de uma outra universidade, que fica afastada do centro da cidade, próxima a periferia, ele respondeu que pela cota de alunos, não poderia reduzir também o preço da passagem deles. Ou seja, quem sofre mais, paga mais por isso. Justo? Fica a questão. No mais, o transporte é um sub-transporte, que carrega quem rala para o sub-emprego. O salário nem preciso dizer que é sub. E o pobre pagando sempre pelo rico. Quem faz os ônibus e trens, viaja de avião e chora com a ‘crise aérea’. Engraçado como ninguém mostra a crise nos ônibus ou nos trens, que atrasam toda hora, que não vem, que vem lotados, que os ‘pingentes’ vão pelo lado de fora, onde muita gente perde a vida. Engraçado como tudo isso fica sob o pano, porque pobre, pra quem interessa?
jéssica@pocos-net.com.br
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